NAÇARA, UMA E OUTRA VEZ

Documentário | NAÇARA, UMA E OUTRA VEZ ( 2024, 67’ )

Sinopse

Diz-se que não há futuro para quem não conhece a história familiar.
Uma jovem mulher portuguesa, encorajada em Silves por duas tias-avós, percorre a República
Islâmica da Mauritânia, um país de nómadas atravessado pelo deserto do Saara, em busca do
nome da tribo de um distante avô que em mil e oitocentos viajou para o Algarve e por lá ficou. 
 
Desconhecendo a língua Hassani e os complexos códigos culturais das tribos, a protagonista
explora a sociedade mauritana onde se continuam a impor os conflitos entre os
vitoriosos guerreiros árabes Hassan contra os marabutos ou homens santos berberes. 
 
Viaja por um país árido no ano de 1443 do calendário da hégira, iniciado no ano de 622 da era
cristã. Curiosamente, foi também em 1443 do calendário Gregoriano, há seiscentos anos, que
os navios portugueses chegaram à Ilha de Arguim na costa mauritana e inscreveram na história
os primeiros contactos com populações locais africanas, durante a expansão marítima
portuguesa. Deixaram uma fortaleza na ilha que passou a mediar as relações e o comércio com
os berberes e os mouros. 
 
Dos encontros nos sécs. XV e XVI, resultaram histórias dramáticas de alianças e antagonismos,
descritos como “feitos heroicos” na Crónica de Eanes de Zurara e pelo Esmeraldo de Situ
Orbis de Duarte Pacheco Pereira, manuscritos que continuam a ser investigados por muitos
académicos. Há também relatos pessoais, como o de João Fernandes que percorreu sozinho a
mítica rota das caravanas do ouro para alcançar a cidade de Ouadane, percurso que a
protagonista do documentário repete e recorda.
 
Do lado mauritano, as histórias guardadas pelas tradições orais das tribos berberes continuam a
repetir-se de geração em geração, algumas com contornos quase mitológicos, como nos contou
Mohamed Biram em Mamghar, no conto em que o leão dos portugueses confrontou o touro de
um Emir.
 
Ao mesmo tempo que procura pistas para conhecer o seu distante avô mauritano, a jovem
protagonista vai, inevitavelmente, recolhendo no terreno mitos antigos sobre os portugueses,
histórias orais que estabelecem ligações surpreendentes com textos guardados nos grandes
arquivos, como o da Torre do Tombo. Esse trabalho teve a orientação científica do antropólogo
português Francisco Freire.
 
Avançando em cenários de grande beleza, ora por cidades míticas e territórios desérticos ora
por acampamentos berberes, a protagonista vai apresentando um povo que vive numa cultura
distante da sua mas que, estranhamente, partilha memórias comuns, quase familiares,
mediadas por Mustapha Taleb, um sociólogo mauritano que a acompanha. 
 
Começando pela Ilha de Arguim, ela atravessa o deserto do Saara em busca das cidades de
Ouadane e Chinguetti, onde residem as tribos que se dizem descendentes dos portugueses de
mil e quatrocentos, como os Buto. Visita um guardião de documentos antigos, Sidi Habidin, que
mais tarde a aconselha a procurar mais para sul, junto à fronteira com o Senegal, as tribos que
poderão ter guardado a ascendência do avô. 
Seguindo a costa Atlântica para sul, descobre a princesa Hemeila e um território povoado por
guerreiros e nómadas.
Na derradeira pista, regressa ao norte, atravessando o território das montanhas, lugar temido
por árabes e berberes e descrito de forma assustadora pelos portugueses de mil e quatrocentos.

Chega a Atar, a um lugar de nome Bafuriat, onde finalmente descobre um ambiente acolhedor,
“sente-se em família” junto da família Buto de Moftaha, a mulher grávida que conheceu em
Nouakchott.
Terá sido de Bafuriat que partiu o avô Ibrahim para se apaixonar pela avó algarvia, no tempo em
que se usava o bioco, o traje negro algarvio que, segundo Raul Brandão, tornava as mulheres
sedutoras e com um “olhar vivo como o lume”?
A protagonista viaja e divaga sob a luz prateada da lua, deixando um lastro onírico na narrativa
por onde cintilam desejos e emoções, num ardor que contrasta com a aridez do Saara.
O deserto é um grande oceano, tudo se sonha na areia.