Caxinas

caxinas«No frio Dezembro de 1995 li um artigo da Laurinda Alves, na revista de O Independente, sobre o naufrágio de um barco de pesca artesanal no meio do rio Tejo.

Dois homens tinham perdido a vida. As circunstâncias em que se tinha dado o acidente pareceram-me, no mínimo, bizarras. As autoridades competentes, embora avisadas, não saíram imediatamente para o rio para os salvar, os poucos pescadores que resistiam às normas da CEE para os estuários, não ousaram ir para o mar com a tempestade que estava, a burocracia para fazer sair um helicóptero da base aérea do Montijo, indiscritível. Isto tudo a dois passos de Lisboa.
Estava feito o quadro geral da tragédia. O rio continua poluído, a maior parte da frota das canoas pesqueiras foi queimada, a pesca artesanal está em extinção, a nossa própria cultura está a ser mais uma vez devastada.
Peguei na minha câmara de vídeo e comecei por fazer um levantamento pormenorizado da sequência dos acontecimentos, recolhi os testemunhos dos sobreviventes, sinto o desepero da espera e a dor das famílias. Envolvi-me definitivamente com os futuros personagens do filme quando soube que um dos pescadores era pai de uma amiga minha.
A dramaturgia estava desde o início traçada. Qualquer aproximação ao tema era, só por si, estimulante. O filme já tinha começado a acontecer sem que eu tivesse dado por isso

 

Este texto publicado no site da Madragoa Filmes (no qual podem ler a sinopse do filme), revela a razão pela qual o realizador José Nascimento decidiu fazer este filme de nome “Tarde Demais”. O filme esteve presente no Festival Fantasporto em 2001 ganhando o prémio para Melhor Filme Português do Ano. Ora sendo o Fantasporto baseado em peças de cinema que normalmente “causam arrepios”, a história destes 4 pescadores numa situação de morte previsível, no meio de um ambiente frio, escuro e húmido encaixa-lhe perfeitamente.
Tal como o realizador diz, a tragédia foi verídica em 1995, mesmo nas barbas da Capital… tal como foi verídico o naufrágio do “Luz do Sameiro”, de Vila do Conde, a 50 metros da praia morrendo 6 pescadores e salvando-se 1. O caso do “Luz do Sameiro” foi falado em tudo o que era sítio, desde o Parlamento, partidos políticos, jornais e televisões, por parecer que algo não fazia sentido em naufragar a 50 metros da praia e os mecanismos de salvamento pouco fazerem.
O que passou, passou. De novo morrem pescadores, de novo das Caxinas, mas pouco interessa de que terra são. São é das suas famílias que têm de continuar a viver e aceitar a agonia de quem lhes era querido e viu terrivelmente a morte a chegar, fria e húmida.
Gostaria que se fizessem filmes de outro calibre em Portugal, com menos arte e mais realidade e nem sempre é preciso mundos e fundos para que se façam, basta inteligência e vontade. Recordo que quando se fez o mítico “Ala-Arriba” de Leitão de Barros, a maioria dos actores eram a própria comunidade piscatória da Póvoa de Varzim. Não faltam hoje em dia gentes que terão todo o gosto e orgulho em que alguém os filme na sua labuta, que os metam em ecrans de televisão ou cinema.
Um bom exemplo disso, é o filme de 1998 “A Companha do João da Murtosa”, de Paulo Nuno Lopes e Helena Lopes. Relativo a ele e de extrema importância é a situação de quem trabalha artesanalmente, com pequenos barcos tradicionais. A Europa paga para que sejam queimados, mas o gosto pelo mar há-de sempre persistir e se não for em trabalho, será em diversão que os homens e mulheres do litoral manterão os seus barcos, tal como já se faz muito na Galiza, havendo bons níveis disso no Tejo e vendo-se um lento renascer nalguns pontos da costa.
Haverá tempo para escrever muito sobre isso.
publicado por cachinare às 12:42
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