SilĂȘncios do Olhar – 2 de maio na Cinemateca Portuguesa
Sala M. FĂ©lix Ribeiro | Ter. [2] 21:30
SILĂNCIOS DO OLHAR
de José Nascimento
Portugal, 2017 â 104 min | M/12
com a presença de José Nascimento
Uma homenagem de José Nascimento a um dos realizadores
que mais saudades deixou no cinema portuguĂȘs: JosĂ© Ălvaro
Morais (1943-2004). SILĂNCIOS DO OLHAR, exibido no
doclisboa 2016, conta com a participação de testemunhos de
colaboradores diretos e pessoas que privaram com o realizador
de O BOBO (1987) e QUARESMA (2003).
Folha de Sala
SILĂNCIOS DO OLHAR
Com o ZĂ© Ălvaro, vivi as ilusĂ”es e os sonhos de uma geração marcada por uma profunda transformação social em Portugal. Tivemos uma proximidade e uma cumplicidade que nos uniu no prazer do cinema e da vida.
HĂĄ uma correspondĂȘncia entre a vida e a obra, um retrato inĂ©dito, intimo e discreto, uma sĂłlida teia de amizades e amores que sustentaram a existĂȘncia do ZĂ© Ălvaro durante os momentos mais âĂĄridosâ da sua vida profissional.
Refiro-me obviamente ao âO BOBOâ (1979-1987), filme distinguido em Locarno com o Leopardo de Ouro, obra impar no cinema portuguĂȘs, que contĂ©m a diversidade e complexidade das relaçÔes humanas: a famĂlia, a opressĂŁo, a rebeldia e a libertação, temas omnipresentes que revelam crises existenciais e que pontuaram a vida de um cineasta reservado, obsessivo, culto e complexo, num â paĂs que agarra as pessoas com tanta força ao mesmo tempo que lhes dĂĄ vontade de fugirâ.
Este filme nĂŁo quis ser apenas uma homenagem pĂłstuma a um realizador prematuramente desaparecido, nem tĂŁo pouco ficar-se pelo trabalho meramente biogrĂĄfico. Quis ser, fundamentalmente, um projecto de descoberta da forma como a obra se polarizou em torno de si prĂłprio, estabelecendo uma âarqueologiaâ que revela, na intimidade, as opçÔes estĂ©ticas e afectivas da sua obra, bem como o reflexo da diluição da sua personalidade em cada filme.
Na tessitura dos seus filmes fluem temas que estabelecem pontos de consonĂąncia e continuidade: do Cantigamente NÂș3 perpassou a musicalidade para os travellings do Bobo, como que numa âorquestraçãoâ de elipses e de organização estrutural da linguagem e que regressa em diferentes nĂveis no Peixe Lua, ou na representação do eros mĂtico, das cenas ligadas ao toureio, presentes em ZĂ©firo e Peixe Lua, como que provando a existĂȘncia de um processo fantasmĂĄtico que habita os filmes do ZĂ© Ălvaro.
A paixĂŁo pela montagem, lugar Ășltimo da criação cinematogrĂĄfica, era para o ZĂ© o meio ideal para o âquebra cabeçasâ das espirais narrativas, do sentido elĂptico da escrita, da rima entre actores, guarda-roupa, cenografia, luz e movimentos de cĂąmara, matĂ©rias com que se fazem os filmes.
Singularmente o ZĂ© Ălvaro era, mais que um grande contador de histĂłrias, um ouvinte confesso das histĂłrias dos outros, tendĂȘncia fundada na cinefilia obsessiva [ um ârato de cinematecaâ ], referĂȘncias que se descobrem nos seus filmes, num traço fino de Visconti, numa recusa quase Buñueliana ao neo-realismo, no erotismo de Pasolini ou como subtilmente anuncia a sua prĂłpria morte em Quaresma; representaçÔes simbĂłlicas que revelam o secretismo imanente na obra do ZĂ© Ălvaro.
Bem hajas ZĂ© Ălvaro, pelo ârasto luminosoâ que deixaste no Cinema PortuguĂȘs!
Lisboa 2 de maio de 2017
José Nascimento